terça-feira, 29 de novembro de 2011

Alegria: A força dos incansáveis, o segredo das criancinhas


A fé remove montanhas, enquanto a alegria nos ajuda a transpor aquela montanha que insiste em não sair do lugar! Os primeiros dois anos da experiência humana são cheios de grandes obstáculos. Começa com uma série de grandes desafios: aprender a mamar, engatinhar, levantar e se sustentar, andar e se comunicar. Para o bebê, quando a mamãe aparece, ela existe; quando ela desaparece, não existe. Ele tem de aprender que algo existe mesmo quando ele está não vendo. Tarefa fácil para ele? O choro desconsolado de um bebê “abandonado” diz tudo.

Dois comportamentos são universais nessa fase tão exigente do desenvolvimento humano: o choro e o riso. As crianças sempre praticaram o que os cientistas hoje acreditam ser formas muito importantes para se lidar com o estresse e com as circunstâncias difíceis da vida. Portanto se quisermos enfrentar grandes obstáculos, precisamos fazer como os bebês: às vezes chorar, às vezes rir, e sempre que possível chorar de tanto rir!

De que alegria estamos falando?
É comum confundirmos o estado interno de alegria com suas expressões externas que incluem o riso, a brincadeira, o senso de humor. O bebê não sabe mentir, portanto o seu riso significa alegria, prazer, contentamento. O choro, por sua vez, demonstra desconforto, medo, ansiedade, dor.

Mas o adulto é muito bom no engano. É possível estarmos tristes, abatidos, e mesmo assim continuarmos nos comportando como se estivéssemos alegres. As crianças são as primeiras a notar que não estamos bem.

A alegria é um contentamento profundo que não está limitado ou totalmente determinado pelas circunstâncias. Olhando pela perspectiva cristã, a alegria é um dom de Deus e, como todos os outros dons, pode ser experimentada mesmo diante de grandes dificuldades. Se a vida nos obriga a subir a montanha, que encaremos a subida com bom humor e entusiasmo!

É assim que as criancinhas fazem. O bebê expressa profundo contentamento quando, ao terminar de mamar, fecha os olhinhos e dá um suspiro satisfeito. E o prazer de brincar com água? Na água, ele expressa uma alegria travessa que acha uma delícia a descoberta e as novas sensações. O bebê celebra a chegada de cada pessoa amada fazendo festa com os bracinhos para cima e uma risada gostosa.

“As crianças acham tudo em nada, os homens não acham nada em tudo”1, afirmou Giacomo Leopardi, poeta italiano do século 19. Talvez seja por isso que Jesus insistiu em lembrar o que o salmista já havia dito: “Da boca de pequeninos e crianças de peito tiraste perfeito louvor” (Mt 21.16).

Por que a alegria é importante em nosso trabalho?
Primeiro, porque um ambiente alegre pode evitar que a criança perca sua alegria natural. A criança é alegre por natureza. São modelos para nós. Por outro lado, é fato que as crianças também olham para nós como modelos do que será apropriado para elas quando se tornarem pessoas adultas. É comum acharem que adultos não choram. Já pensou que triste se o nosso mau humor levar uma criança a pensar que os adultos além de não chorarem também não se divertem, não gostam de rir, não brincam, não acham graça em nada, não se alegram?

Precisamos então reaprender com as crianças a desfrutar todas as coisas simples ao nosso redor e exercitar o bom humor.

“O bom humor espalha mais felicidade que todas as riquezas do mundo. Vem do hábito de olhar para as coisas com esperança e de esperar o melhor e não o pior”, diz Alfred Montapert, escritor francês2. Será que ele andou lendo os sábios do mundo antigo? “O coração alegre é bom remédio, mas o espírito abatido faz secar os ossos” (Pv 17.22).

Mais importante ainda é servir de modelo para aquelas crianças que já assimilaram o cinismo, a desesperança e a apatia do ambiente agressivo e pouco acolhedor que as cerca.

Segundo, porque a alegria é um fator importante que gera resiliência3 nas crianças.

Veja o que diz a psiquiatra Alicia Gorgal sobre o senso de humor: “Ele implica o reconhecimento da imperfeição, do sofrimento, e permite reconhecer a dor sem deixar-se destruir por ela. Crescer e viver em ambientes nos quais o senso de humor é promovido, nos quais desfrutar, criar, rir e sonhar fazem parte do cotidiano, favorece a aceitação dos fracassos, a confiança, mesmo quando as coisas saem mal, a criatividade e a possibilidade de aceitar a imperfeição em si mesmo e nos outros, sem que isso nos destrua”.4

Terceiro, porque o riso, a alegria e a descontração são contagiantes e formam elos de amizade muito importantes entre as pessoas. Nós nos lembramos muito mais facilmente dos adultos alegres da nossa infância do que dos “estraga-prazeres”.

De que forma podemos cercar nossas crianças com a alegria?
São tantas as formas, que não seria possível enumerar todas. Só o fato de estar aberto para as crianças já é um bom começo. Mas podemos citar mais algumas:

Colocar a criança em contato com pessoas alegres. Ou seja, não é só o educador social que precisa ser uma pessoa de bem com a vida. Cozinheiras, encarregados de limpeza, recepcionistas, motoristas, todos que estão ali servem como espelhos para as crianças. E aqui cabe uma auto-avaliação séria: se você não gosta do que faz, não se realiza nesse trabalho, será que não seria melhor procurar uma outra ocupação? Às vezes o problema é mais circunstancial, relacionado a uma fase que estamos vivendo. Nestes casos precisamos buscar ajuda e tentar resolver nossas insatisfações o mais rápido possível, antes que o nosso “azedume” contamine as crianças.

Proporcionar um ambiente em que a leveza, a descontração, a liberdade de expressão e o bom humor são valorizados. Não há nada que mate mais a alegria em qualquer ambiente que o conflito, a disputa, a falta de integração na equipe. Uma equipe integrada, onde cada um respeita as competências e as limitações uns dos outros, tem prazer no trabalho que realiza como um todo. Isto significa que a equipe precisa criar vínculos de amizade e camaradagem. É importante investir tempo em reuniões de planejamento, monitoramento e avaliação. Mas não vamos nos esquecer de proporcionar também momentos de lazer e recreação para nós mesmos enquanto equipe.

Utilizar a recreação, o jogo, a brincadeira como linguagem privilegiada no trabalho com as crianças. O antropólogo e educador popular Tião Rocha, fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), conta que no começo de seu trabalho, na região de Curvelo (MG), ele se fez a seguinte pergunta: é possível fazer educação de qualidade debaixo de uma mangueira? Tião conta que reuniu vários livros infanto-juvenis e colocou-os à sombra de uma árvore. Ao lado reuniu um monte de sucata. Desafiava as crianças a lerem os livros e em seguida inventarem algo com as sucatas. As crianças começaram a responder positivamente. Era divertido. No caso das que ainda não sabiam ler, ele mesmo lia para elas. Depois de algum tempo, uma professora da rede pública veio conversar com ele: “Por que meu aluno anda vários quilômetros para vir aqui ler sendo que ele não quer ler na escola?”. Tião respondeu: “É muito simples: lá é dever, aqui é prazer”.

Não é possível exercermos um impacto positivo sobre as crianças sem levarmos em conta como elas são, o que dizem e o que querem. Uma coisa é certa: elas não querem a tristeza. E, graças a Deus, a alegria é uma promessa acessível a todos: “Mas aqueles que esperam no Senhor renovam as suas forças. Voam alto como águias; correm e não ficam exaustos, andam e não se cansam” (Is 40.31, NVI). Quem espera no Senhor faz duas coisas que toda criança contente adora fazer: andar e correr. E a terceira coisa vem como brinde: voar!
























Notas
1. www.pensamentos.aaldeia.net.
2. Idem.
3. Resiliência é um termo psicológico usado para descrever um conjunto de
qualidades de certas pessoas que promove a adaptação e transformação saudável
apesar do risco e da adversidade.
4. Mãos à Ofi cina, pág 29.

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